23 de julho de 2020

TRÊS CRIANÇAS

A Mãe Terra está aqui entre nós.
É o solo sob os nossos pés.
É um sol exuberante que brilha sobre as árvores, as plantas, as flores e todos os elementos ao nosso redor.
E também está neste espaço.
Tomemos consciência dela e usemos uma imagem para a identificar.
Vejamos-la como uma mulher no centro deste espaço, embora não importe a forma que lhe demos.
Peguemos a primeira imagem que vier à nossa mente e que nos faça sentir: “Esta é a Mãe Terra.”
Sintamos a sua alegria, o seu contentamento.
Na sua alma vive um prazer que deseja compartilhar connosco.
Apesar de tudo o que acontece sobre a Terra e com ela, existe amor e alegria em seu coração.
Há um plano maior no qual tudo se expressa de uma forma infinitamente mais grandiosa.
A vida é boa e justa.
Ela é bonita do jeito que é. 
Conectemos-nos com essa alegria básica, de modo que também possamos sentir internamente: “Minha vida é boa. Apesar dos altos e baixos que enfrento; apesar desses momentos difíceis, ainda estou vivo!
A vida flui por nós.
E como será que ela flui por nós?
Conversamos sobre masculino e feminino, sobre o fluxo de dar e receber, sobre a diferença entre estar com o outro e estar connosco mesmo.
Descubramos o quanto é difícil acolher plenamente a nós mesmos de modo a recebermos o que realmente necessitamos, tanto do outro quanto de nós próprios.
Nós nos negamos tantas coisas, e estamos nos dando conta disto.
Receber é uma energia feminina, e existe um bloqueio na nossa capacidade de receber, na nossa capacidade de estarmos abertos e receptivos ao que desejamos vir para nós do universo, do cosmos, do mundo, de outras pessoas e, inclusive, de nós mesmos – a nossa própria beleza e sabedoria. 
Conversamos sobre a região do nosso corpo onde a maior parte da dor está armazenada.
Com essa dor vem a incapacidade de realmente recebermos, de aceitarmos totalmente a nós mesmos, e sermos verdadeiramente independentes.
Esta parte do nosso corpo é a área do nosso abdome.
Levemos a nossa consciência até essa área agora.
Imaginemos que a nossa consciência é uma flecha de atenção, que desce da nossa cabeça pela nossa coluna vertebral à nossa cintura, e se aprofunda ainda mais, até alcançar a nossa pélvis.
Preenchamos todo o nosso abdome com a energia da nossa consciência.
Vejamos se conseguimos tocar o nosso baixo-ventre com a nossa respiração, leve e suavemente.
Deixemos a nossa respiração descer e penetrar no nosso abdome, e sintamos aí a nossa própria força.
Sintamos como o nosso abdome nos conecta com a Terra. 
De certa forma, a parte mais baixa do nosso corpo é onde as nossas emoções mais profundas se revelam; então coloquemos aí a nossa atenção.
E saibamos que nos é permitido estar aí exactamente como somos – todos os nossos aspectos são aceites.
Na verdade, nosso abdome é uma cavidade, e a pélvis é como uma tigela que recebe – um recipiente – e Gaia nos encoraja a irmos lá agora para encontrarmos e recebermos as crianças, as partes de nós mesmos que se apresentam a nós.
Estas crianças ainda estão vivas dentro de nós; elas são as partes emocionalmente espontâneas que nos pertencem. 
A primeira criança que desejamos convidar é a da alegria.
Em nós, como em todas as pessoas, vive uma criança cheia de alegria de viver, de vontade de viver.
É aquela nossa parte que realmente desejava estar aqui nesta vida na Terra.
Ela queria participar; ela é ousada e corajosa e é capaz de aproveitar tudo o que a vida em um corpo humano tem para oferecer.
Vejamos se conseguimos encontrar essa criança na cavidade da nossa pélvis, e observemos o que ela quer-nos dizer.
Do que essa criança mais gosta?
O que isto nos diz sobre nós mesmos e o que mais amamos?
De onde vem o amor que essa criança tem pela vida?
Então convidemos essa criança para chegar mais perto.
Imaginemos que estendemos a nossa mão para ela ou colocamos um braço em seu ombro, acolhendo-a e dizendo-lhe que é um prazer tê-la connosco; que sabemos que ela pode-nos indicar o caminho para mais alegria e diversão na nossa vida.
E esta criança nos ajudará a receber isto.
Esta criança sabe que não tem problema aproveitar a vida.
Ela sabe que está aqui para se sentir viva, para sentir profundamente cada aspecto da vida, e para aproveitar a abundância em cada área da sua vida como um filho de Deus.
Esta criança sabe que a vida existe para ser celebrada.
Não é sempre para aprendizado, crescimento e desenvolvimento.
A vida existe simplesmente para ser vivida, como uma criança que vive o momento, sem pensar no futuro ou no passado.
Permitamos a presença dessa criança em nossa vida e no nosso abdome.
Façamos contacto regular com ela.
Uma vez que a tenhamos visto uma vez, poderemos convidá-la com mais frequência no nosso dia-a-dia, especialmente nos momentos em que estivermos preocupados ou aflitos, quando os nossos pensamentos estiverem no futuro ou no passado.
Essa é a hora de perguntar o que ela tem vontade de fazer nesse momento.
Isto ajuda a criança a se aterrar e nos ajuda a ficar com ela.
Agora vamos convidar outra criança, que também faz parte do nosso Eu.
Esta é uma criança medrosa; uma criança que acumulou vários medos e que não tem nenhuma solução para eles.
Esta criança é a portadora dos nossos medos.
Uma criança é inocente; ainda não consegue construir muros, cercas ou limites para se proteger.
Ela sente o medo directa e totalmente. 
Esta criança deseja ser vista.
Ela quer vir a nós porque precisa da nossa ajuda.
Nós somos o pai e a mãe desta criança.
Permitamos que ela esteja aí e observemos a sua aparência.
Vejamos a contracção ou tensão do corpo dela e sintamos o que podemos ou queremos fazer por esta criança.
Ajoelhemos-nos diante dela, estendamos-lhe a mão e digamos: “Vem cá, tu estás em segurança comigo. Não precisas pedir desculpas pelos teus medos; eu os entendo. Deixa-los aqui comigo.
Sintamos o nosso próprio poder no momento em que fizermos isso.
Nós somos capazes de receber os medos dessa criança.
Nós somos capazes de aceitar esses medos com equanimidade e não mergulhar neles.
Talvez nos perguntemos: “Como pode ser isto? Como posso saber se consigo transcender estes medos?
Mas há uma parte nossa que é maior que esses medos, que tem confiança e coragem.
Peçamos à criança alegre para entrar, sentar-se ao nosso lado e confortar a criança medrosa.
Mantenhamos a nossa atenção concentrada na área do nosso abdome, e então vejamos essas duas crianças sentadas à nossa frente.
Ambas são belas, inocentes e puras.
Nenhuma é melhor ou maior do que a outra.
Ambas fazem parte da nossa vida.
Agora, vamos à terceira criança.
Esta é uma criança zangada.
Talvez a vejamos com punhos cerrados e bochechas vermelhas de indignação.
Muitas vezes, na nossa vida, reprimimos a raiva, porque não era permitida; nem por nós, nem pelo nosso ambiente, nem pelas regras e a moral que nos foram ensinadas.
Mas agora ela é permitida.
Esta criança é livre para se apresentar e não importa por que estava zangada, nem se estava certa ou errada.
A questão é que a raiva é permitida e que esta criança zangada é aceitável. 
Deixemos que esta criança também venha a nós – convidemos-la para entrar.
Digamos-lhe que gostaríamos de conhecê-la totalmente, que ela nos pertence.
Nesta vida, fomos feridos, rejeitados; decepcionamos-nos, e talvez tenhamos nos sentido insatisfeitos com a vida e as pessoas.
É aceitável que isto seja visto.
É permitido que a raiva e a frustração façam parte de nós, porque esta criança nos dará uma mensagem importante.
Com certeza, na área do abdome, esta criança nos permite perceber onde nos privamos, onde não tivemos voz activa, onde não estabelecemos limites claros para nós mesmos.
Esta é uma criança valiosa.
Não ignoremos os nossos impulsos.
Simplesmente lhe perguntemos o que ela deseja nos dizer.
Perguntemos-lhe o que ela precisa, o que a tranquilizaria.
Esta criança nos ajudará a entender e lidar melhor com o campo de energia do nosso abdome. “O que eu quero? Quais são minhas necessidades?
Esta criança tem coragem; ela ousa fazer perguntas.
Hoje nós vimos como a energia, especialmente das mulheres, tende a se fixar em doar, cuidar, ser empática, estar presente para o outro e esquecer-se de si mesma; colocando-se em segundo plano, com a ideia de que dar é melhor do que receber, ou que se deve dar para ser reconhecido e, assim, amado.
Isto nos leva para fora do nosso abdome e faz com que a criança em nós fique mais zangada.
E essa criança está certa, porque algo está fora de equilíbrio, algo está distorcido.
Nós não precisamos doar tanto.
E como vamos conseguir equilibrar o fluxo de dar e receber?
Mantendo-nos em contacto com as crianças do nosso abdome – as três – a criança da raiva, a criança do medo e a criança da alegria.
Algumas vezes poderemos notar que estamos doando com base no medo de sermos rejeitadas pelo outro e para preservar a harmonia.
No momento em que percebermos que estamos doando a partir do medo, voltemos-nos para a criança medrosa e digamos-lhe: “Não precisas fazer isto. Tu tens permissão para parar de doar. Eu cuido de Ti; Tu não está só! Tu estás em segurança comigo.”
Estejamos atentos a esta dinâmica do medo: medo da solidão, medo de rejeição. 
E também percebamos que podemos nos sentir esgotados, vazios e desvitalizados quando doamos demais. 
A criança da alegria de viver, do contentamento, também pode ser um indicador para nós aqui.
Criemos o hábito de lhe perguntar: “Do que tu gostarias? O que seria bom para fazermos agora?
Porque não é errado nem egoísmo conceder-nos esta alegria.
Felicidade e alegria de viver são certamente sinais de desenvolvimento interior. Naturalmente, este conceito vai contra as tradições com as quais a espiritualidade vem sendo associada, tais como estar sempre sério, ser cuidadoso, consciencioso e responsável – todas aquelas características masculinas pesadas.
Mas a verdadeira espiritualidade é cheia de alegria e do abraço da vida.
Lembremos-nos desta forma de ver a vida quando doarmos demais, e quando nos sentirmos exaustos.
Retornemos àquela criança no nosso abdome, que está conectada com a verdadeira espiritualidade, com a espiritualidade aterrada. 
E observemos a criança raivosa, aquela da qual nós temos medo.
Certamente as mulheres têm problemas com esta criança, porque ela vai contra a imagem milenar da feminilidade, segundo a qual a mulher é subserviente, complacente, generosa, carinhosa, doce e amável.
Existe um tabu contra esta criança zangada.
Mas é justamente ela que pode oferecer-nos tanto!
Ela nos faz perceber quando estamos sendo desleal connosco mesmo.
Ela nos consciencializa do nosso próprio valor e de quando nós estamos prejudicando-nos.
Então, se sentirmos raiva no nosso dia-a-dia, ou até mesmo um sentimento menos intenso, como irritação ou descontentamento, acolhamos-lo.
Tentemos não o desmerecer nem o esconder para manter a paz, ou porque nos é desconfortável; mas realmente sintamos-lo.
Perguntemos à criança dentro de nós por que ela está com raiva: “Coloca isto em palavras; permite-me perceber.
E aceitemos o que ela nos disser seriamente. 
Geralmente nós esperamos mensagens da nossa alma para encontrar o nosso caminho de vida.
Mas a nossa alma fala connosco através destas crianças, através do nosso abdome, que está sempre aterrado, é poderoso e espontâneo.
Nós estamos constantemente recebendo informações através do fluxo de sensações no nosso abdome, através das nossas emoções e das nossas crianças interiores.
Dizemos isto alto e com bom-tom: “Levemos isto a sério!!!
Não procuremos tão “alto” pelas nossas respostas.
Quando estamos envolvidos demais com o fluxo do coração, é fácil cair nas armadilhas de doação em excesso, das quais acabamos de falar, e que são representadas por aqueles velhos estereótipos, aquelas velhas imagens da energia feminina.
Façamos a conexão com essas emoções primitivas no nosso abdome: medo, raiva, alegria, entusiasmo, inspiração.
Estes são os verdadeiros orientadores que estamos buscando.
Nós nos esquecemos de ouvir estas crianças no nosso abdome por causa das nossas tradições, como as formas opressivas de religião, entre outras coisas.
Este é um tempo de mudanças; nós estamos criando uma nova história; estamos quebrando velhos tabus e por isto somos respeitados.
É por isto que estamos aqui na Terra – para mudar a energia colectiva da humanidade e nossa própria energia individual; para voltarmos a fazer justiça na área do abdome e sermos fiéis à condição humana que todos nós compartilhamos, tanto as mulheres quanto os homens.
Pois nos homens também existem crianças interiores reprimidas.
A energia feminina ferida afecta tanto os homens quanto as mulheres. 
Vejamos mais uma vez estas três crianças no nosso abdome e prometamos-lhes a nossa devoção e dedicação.
Imaginemos que nós e as três crianças damos as mãos.
Sintamos a energia fluir.
Sintamos o que elas nos oferecem: a nossa inocência, a nossa força vital, a verdade que elas falam, e sua clareza.
Este é o conhecimento que realmente nos ajuda. 
Vejamos, inclusive, o que nós lhes damos.
Se realmente estivermos abertos para essas crianças, elas nos verão como seus guias, amparo e defensores, aqueles que as ouvem, aqueles que estão sempre disponíveis para elas.
É isto que nós lhes oferecemos, e elas ficam felizes por recebê-lo; sentem-se reconhecidas e apreciadas.

Gratidão,
Luís Barros